sábado, 30 de março de 2013

O Centro de Fortaleza: um pouco de tudo

Assalto em relojoaria na Praça do Ferreira


8 horas da manhã, sábado, Centro de Fortaleza. Vendedora da loja de ótica e joias, localizada na Praça do Ferreira, indica aos policiais para onde o assaltante correu. Ronda e Raio (unidades da Polícia Militar do Ceará) instalam-se em frente à loja e apuram que foi levado dinheiro e mercadorias do estabelecimento comercial e saem à procura do suspeito.

Esse caso combina com as estatísticas. Segundo a ONG Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal, Fortaleza ocupou em 2012 o 13º lugar entre as cidades mais violentas no mundo. E mais relatos confirmam os números, como é o caso de Ernane Silva, estudante de publicidade, que já foi assaltado três vezes no mesmo bairro, em menos de quatro meses. “Eu não me sentia ameaçado ao andar pelas ruas do Centro até que aconteceu a primeira abordagem, próximo a Praça da Bandeira. A minha sensação ao andar nas ruas do Centro agora é de pavor. Ando apressado e me preocupo com a aproximação de estranhos. Respiro aliviado quando chego ao meu local de destino”, desabafa.

Ignorando os casos listados pela SSPDS, o ambulante Luis Aguiar, que trabalha no entorno da Praça do Ferreira há mais de um ano, acha que os casos de assaltos no local diminuíram. “Acho que a população se acostumou com a insegurança e não anda mais dando mole, não anda de cordão, relógio...”, sugere ele, que só trabalha na praça porque lá “tem mais policiamento”.

Padre Ligório e sua congregação distribuem alimentos
Mas, à revelia da insegurança, o Centro da cidade insiste em sobreviver em atos e atividades variadas. O padre Ligório mora no bairro da Lagoa Redonda, mas vai ao Centro, todos os fins de semana, distribuir comida para moradores de rua. Ele conta com a ajuda da sua congregação na distribuição de pão, bolo e suco. “Queremos expandir nossas atividades sociais como cortar unha, trazer medicamentos e trazer médicos para o local”, planeja.

É no Centro que o Hemoce tem o maior número de doadores. Instalados na Praça do Ferreira com a campanha de doação de sangue para o feriado da Semana Santa, a supervisora do órgão relata que são em torno de 120 doações por dia no local. “O número de pessoas que circula aqui é muito grande, então conseguimos muita gente”, conclui.

A cultura
Nova sede da Secult
A cultura também está presente nas ruas do bairro. Literalmente. Desde abril de 2012 a Secretaria de Cultura do Ceará (Secult) mudou sua sede para o Centro (Rua Major Facundo, 500), onde funciona o cine São Luiz – inaugurado em 1958. O prédio está passando por reformas e, segundo a edição de 27 de março do jornal O Povo, vai custar 5,3 milhões.

Já a Casa Juvenal Galeno, localizada na Rua General Sampaio, é um dos locais mais antigos de propagação de cultura de Fortaleza. O prédio é de 1886 e já recebeu personalidades importantes para a arte do Ceará e do Brasil, como Rachel de Queiroz, Euclides da Cunha, Gustavo Barroso, Antônio Sales, Leonardo Mota, Jáder de Carvalho e Patativa do Assaré.

O Sobrado Doutor José Lourenço foi o primeiro prédio de três andares de Fortaleza e, depois de ser a casa do médico no século XIX, foi Tribunal de Justiça, galpão, armazém e bordel. “Essa última finalidade, já no século XX, foi a mais animada do prédio, tenho certeza”, conta Amanda Breckenfeld, guia e estudante de história que apresenta aos visitantes os artistas que expõem no casarão.

Outros centros distribuidores de cultura habitam o bairro como, por exemplo, o Museu do Ceará, o Centro Cultural do Banco do Nordeste (CCBN) e a Praça dos Mártires (Passeio Público). Esse último, totalmente restaurado e revitalizado, mantém programação semanal com música, exibição de filmes e exposições periódicas.

O comércio variado
Há um ano Gleison Abreu abriu sociedade com duas amigas e criou uma empresa de produtos artesanais. Mas o impasse veio ao escolherem o lugar para abrir o escritório. “Na Aldeota é mais bem visto, mas o Centro tinha aluguéis mais baratos”, conta o empresário, que depois do primeiro mês já tinha decidido: não sai mais do Centro da cidade. “O Centro foi uma grande surpresa para nós, estamos adorando. Falam de segurança, mas se for por isso, Fortaleza toda é insegura”. O escritório fica no edifício General Tibúrcio, na Rua São Paulo, que também acomoda outros jovens empresários que fugiram dos aluguéis altos, como é o caso das jornalistas da Dedo de Moças Editora e das estilistas de acessórios da Catarina Mina.

Valci Rocha (blusa listrada) e seus filhos
Perto dali, fica a Travessa Crato. Lá é possível achar todo tipo de ‘bugiganga’ para o lar. Desentupidor para fogão a gás e borracha para panela de pressão. Há 50 anos, Valci Rocha tem loja de ferragens no local e o negócio já está passando para a mão dos seus cinco filhos. “Minha vida toda foi e é no Centro”, resume. Na travessa também fica a mercearia de Raimundo dos Queijos, que vende produtos regionais, além de incentivar uma seresta aos domingos pela manhã.

Já a Galeria Pedro Jorge, conjunto de lojas situado entre as ruas General Sampaio e Senador Pompeu, é o oásis dos evangélicos e dos roqueiros. Esse último grupo, mais antigo no local, está espalhado nas lojas de tatuagens, piercings, skate, blusas. A loja Opus, que vende do punk ao heavy metal (estilos musicais), está no local há 20 anos com um público cativo e fiel.

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Quase um passeio



Raquel, sentada na Praça dos Leões, observa. Estão diferentes os frequentadores, os que usam seus bancos para tirar uma soneca após o almoço, os que ocupam a praça por não terem aonde ir. Acha estranho os barulhentos vendedores de livros. "Quer livro, senhora?", "Não, obrigada, já escrevi muitos...".
Procura os casais enamorados, as sombrinhas e os passeios descompromissados em volta da praça. Era meados de 1900... faz tempo. Não acha alma viva, todos mortos. Olha para General Tibúrcio, impávido no centro da praça, e se pergunta se a guerra foi em vão. "No Paraguai ou aqui, Tibúrcio, nunca valeu a pena guerra alguma".
Perdeu seus óculos e acha que anda vendo coisas. Traça um caminho mental até a Rua do Rosário e para em frente a Academia. "Fui a primeira, mas não sei hoje em dia qual é o número da minha senha", pensa. Seu pensamento Volta pela Praça do Ferreira, quer saber as horas. "Hora de descanço na eternidade". Pensa e ri sozinha.
Bom mesmo seria descer pela Major Facundo até o Passeio Público, idealiza. "A maresia me faria bem". Mas sente o frio dos anos no cair da noite e já ouviu de uma moça que vinha de uma loja lá das américas que ao andar por ali perdeu sua correntinha de ouro. Não quer perder mais nada, já basta seus óculos. Sente falta deles, o mundo anda muito embaçado. É... é melhor ficar onde está. Estátua.

Andrea Araujo

Galeria de fotos do Centro de Fortaleza

Foto cidadã

Carros estacionam na calçada e deixam pedestres sem opção de tráfego na Av. Dom Luis